Entrevista: Anarquismo, Tamarod e a violência sexual no Egito

Entrevista: Anarquismo, Tamarod e a violência sexual no Egito


Por Joshua Stephens – 9 de julho de 2013

Há seis meses, logo depois do segundo aniversário da Revolução egípcia e dos protestos que marcaram tal evento, me encontrei com Nana Elhariry em Talaat Harb (uma rotatória acerca da Praça Tahrir no Cairo que também serve de ponto de encontro) no meio de uma surpreendentemente grande e animada manifestação contra a violência sexual. Um organizador anti-guerra dos Estados Unidos insistiu em buscá-la devido a sua experiência como ativista e por sua familiaridade com as organizações anarquistas e feministas da cidade. Em seguida, se voltou a algo parecido com um guia, facilitando minha apresentação a um número de organizadores locais, especificamente em lutas estudantis.

Nos últimos dias, de acordo com informes de meios sociais, Talaat Harb se tornou notória por diferentes razões: tem sido palco de um número de ataques – os ataques sexuais de gangues que parecem acompanhar os protestos massivos na capital do Egito. Esta ocasião ressalta os casos distintos do que a imprensa e a discussão ocidental aludem ao cobrir os eventos contemporâneos no Egito: a distinção entre o poder Estatal e a resistência popular – um tema enfatizado pelo pequeno, mas cada vez mais visível, movimento anarquista do Egito. 

Com a história do Conselho Supremo das Forças Armadas e as milhares de pessoas que foram levadas a tribunais militares nos meses que seguiram a revolução inicial do Egito, junto ao papel amplamente suspeito que tomaram na violência sexual organizada desde então – para não dizer nada do controle militar de um terço da economia do país – a ideia do exército e o povo como “uma só mão” choca a muitos como uma triste e negligente amnésia. Enquanto algumas vozes ocidentais foram tão longe como declarar a falta de materiais básicos para a democracia no Egito, muitos nas ruas argumentam que os protestos populares que tomaram lugar em 30 de junho e seus resultados representam um capítulo em uma historia que começou em 25 de janeiro de 2011. Um capítulo desordenado para uma historia desordenada.

Reencontrei Elhariry em 8 de julho para discutir os eventos recentes.

Joshua Stephens > Que aconteceu ontem? Pelas notícias soa como uma nova indicação de uma guerra civil de baixa intensidade no Egito.

Nana Elhariry < Bom, os seguidores da Ikhwan (Irmandade Muçulmana) argumentam que foram atacados durante as orações do amanhecer na mesquita de Raba’a Adwyia, com mulheres e crianças entre eles e sem ambulâncias para ajudar os feridos e retirar os mortos. Muitas fotos de crianças mortas circularam cedo nesta manhã. Enquanto isso, figuras da oposição e ativistas mostraram grande indiferença ao massacre, justificando-o, e dizendo que era exatamente o que eles receberam da Ikhwan durante os enfrentamentos na rua Mohamed Mahmoud em novembro de 2011 junto aos eventos mortais em Maspero. Também alegavam que nas fotos que estavam circulando haviam crianças sírias mortas em um dos ataques de Bashar Al-Assad, e que o exército abriu fogo logo depois das orações, quando usaram gás lacrimogêneo para dispersar as pessoas, e o Ikhwan respondeu com munição real.

Stephens > Quando falamos, em 7 de julho, você estava lamentando que as pessoas estavam aplaudindo a polícia em manifestações de ontem como se tivessem esquecido completamente o que aconteceu na rua Mohammed Mahmoud. O massacre desta manhã afetou isso ou é muito cedo para dizer?

Elhariry < Pelas reações que eu vi esta manhã – lendo ou o que ouvi no transporte público – muita gente ainda tem no exército o único salvador e acreditam que tudo o que está passando é de alguma maneira uma conspiração da Ikhwan. Mas também existem pessoas que estão incomodadas com o assassinato de crianças e estão colocando a culpa na brutalidade do exército. Nada do que tenho visto na rua tem me feito pensar que tem aumentado ou diminuído significativamente o apoio à polícia ou ao exército.

Stephens > Sei que tem havido operações militares em Sinai e Suez nos últimos dias. Isto parece ir mais além de uma mera transição de poder. Com distanciamento, parece uma reencenação de Pinochet, enquanto a cobertura de nossos meios tem sido repugnante. Como isto é sentido na rua?

Elhariry < Sinai sempre foi uma zona quente para este tipo de coisas entre a polícia ou o exército e os Beduínos. Só que está sendo exagerado pelas tensões em curso. Os Beduínos sempre foram negligenciados pelo Estado e parece que dominaram toda sua terra. Não me está claro o que é que está animando as coisas lá agora mesmo, mas usualmente é o rechaço dos Beduínos em serem dominados pelo Estado.

Stephens > Outros anarquistas com o quais tenho falado no Egito parecem entender adiantadamente que Tamarod estaria de acordo com um ditador ou regime civil ou militar, assim que não os surpreende o que está passando. Você parece estar um pouco cautelosa também, como quando falamos há quase um mês sobre isso – que pode ser uma vitória até para os Salafis. Agora o modelo do Tamarod (recolher assinaturas para tirar um líder do poder) está sendo implementado na Tunísia e na Síria, etc. Acha que isso é um erro?

Elhariry < Meu problema com o Tamarod é que eles tiveram tempo para criar algum tipo de alternativa para logo depois de queda de Morsi, mas nunca o fizeram. Não tinham um plano claro do que passaria uma vez que ele saísse. Por isso temia um massacre. Honestamente, se o exército não houvesse intervido, teria sido muito, muito pior. Senti que os Salafis eram o único partido pronto para dominar o cenário, como o Ikhwan durante as eleições posteriores a Mubarak.

Stephens > Quer dizer que haviam muitos planos de oposição mas nenhuma visão de reconstrução real?

Elhariry < Não estou segura de que tenhamos uma oposição real. A “Frente de Salvação Nacional” (National Salvation Front) é absolutamente inútil e o resto dos ativistas passam dia e noite “tuitando” especulações sobre a situação. Basicamente isso é tudo.

Stephens > Como anarquista, como está processando o que está se desenvolvendo desde o dia 30? Pode estabelecer uma relação e sentir a utilidade disso?

Elhariry < Creio que eliminar a etapa dirigida por fanáticos é um passo adiante. Eu acho que tem havido movimentos para entender que a religião é melhor para se deixar na mesquita ou na igreja, do que como um mecanismo para governar. Isto pode provar ser muito útil logo, quando argumentarmos sobre as ideias radicais que defendemos. É uma fase da revolução de 25 de janeiro; uma que temos que observar muito de perto. Para mim é muito difícil estar do lado do felool (seguidores de Mubarak) quando sei que, de fato, eles são tão doentes quanto o Ikhwan e concordam com qualquer forma de opressão e ditadura.

Stephens > Parece que as formas horizontais de organização são o único jogo na cidade em relação a combater a violência sexual em Tahrir – Operação Contra o Assédio / Agressão Sexual (Operation Anti-Sexual Harassment/Assault), Guarda costas Tahrir (Tahrir Bodyguard), e outros. É este o caso?

Elhariry < Essa é minha experiência com eles. Geralmente são auto-organizados e não hierárquicos, ainda que sejam muito distintos um do outro. Além de estar presente em eventos grandes, os Guarda costas Tahrir não estão ativos além de buscar novos voluntários, enquanto a Operação contra Assédio/Agressão Sexual está mais interessada na sensibilização e mudança da sociedade em geral.

Stephens > A Operação Contra Assédio/Agressão Sexual tem se mantido fora de Tahrir nos últimos dias pela segurança de seus voluntários. Sei que você mesma me disse que estava reconsiderando a possibilidade de se juntar as recentes manifestações. Parece haver no momento um obstáculo muito grande para os movimentos de base no Egito. Devido à toda organização contrária desde 25 de janeiro, acredita que exista um sentido de mudança nas coisas depois de 30 de junho? Ou tudo só tem piorado?

Elhariry < Com tantos civis armados, primordialmente na Ikhwan, tudo se tornou pior. Sei por um amigo da Operação Contra Assédio/Agressão Sexual que estão arriscando sua própria segurança só por se meter entre as gangues e ajudar a qualquer vitima. Imagino que com a quantidade de armas em mãos, nessas manifestações têm se tornado muito piores. Pessoalmente, desde finais de 2011, tenho pensado duas, três, até quatro vezes antes de me juntar a qualquer manifestação.

Stephens > Tuitaram ontem que houve quatro ataques, três deles em que puderam intervir.  Isso soou consideravelmente menor que há apenas alguns dias atrás.  Isto foi só uma coincidência?

Elhariry < Tive o mesmo pensamento. Não há duvidas de que a maior parte dos ataques são organizados; isso é óbvio desde os dias da SCAF no poder. Mas há algo além disso com as pessoas em geral. Não posso colocar a culpa somente no sistema. Tenho que pensar em homens e garotos jovens aterrorizando as mulheres nas ruas no dia a dia. Isso existe e parece ter seu ponto mais alto durante as comemorações religiosas.

Stephens > Você acha que há coisas que as pessoas de fora do Egito possam fazer para apoiar este trabalho útil que está sendo executado?

Elhariry < Creio que não julgar a situação com normas que não se aplicam é um bom ponto de partida.

Stephens > Certo

Joshua Stephens é membro do conselho do Instituto de Estudos Anarquistas, e tem sido ativo em movimentos anticapitalistas e de solidariedade internacional nas últimas décadas. Ele passou grande parte dos últimos dois anos cobrindo movimentos sociais desde Nova York até Atenas, Cairo, Palestina e México para Truthout, AlterNet, NOW Lebanon, Jadaliyya, entre outros veículos. É autor de “Self and Determination: An Inward Look at Collective Liberation”, (2003, AK Press).

Tradução > Caróu

Fonte:

  
agência de notícias anarquistas-ana

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