Anarquistas Palestinos em Conversação: Recalibrando o anarquismo em um país colonizado


Por Joshua Stephens

“Honestamente, ainda estou tentando desencanar dos hábitos nacionalistas”, brinca o ativista Ahmad Nimer, enquanto conversamos do lado de fora do café Ramallah. O assunto da nossa conversa parece improvável: viver em uma Palestina anarquista. “Em um país colonizado, é um tanto difícil convencer as pessoas de uma solução não autoritária e não estatal. Você encontra, no geral, uma mentalidade – frequentemente próxima do nacionalismo – estritamente anticolonial”, lamenta Nimer. De fato, anarquistas na Palestina atualmente tem um problema de visibilidade. Apesar do destaque da atividade anarquista internacional e israelense, não parece haver uma percepção correspondente do anarquismo entre os próprios Palestinos.

“A discussão contemporânea sobre temáticas anarquistas desloca sua ênfase na direção de algo como uma aproximação do poder: rejeitar o poder de cima, a favor do empoderamente. Quando você fala sobre anarquismo enquanto um conceito político, é definido como rejeição ao Estado”, explica Saed Abu-Hijleh, um professor de geografia humana na Universidade An-Najah, em Nablus. “Fala sobre liberdade e auto-organização da sociedade sem a interferência do Estado”. Mas como pessoas sem Estado se engajam com o anarquismo, um termo que implica oposição à forma do Estado enquanto condição de sua existência?

Na Palestina, elementos da luta popular amiúde se auto-organizaram historicamente. Mesmo não havendo identificação explícita enquanto “anarquismo”. “As pessoas já realizavam organizações horizontais, ou não hierárquicas por todas as suas vidas”, disse Beesan Ramadan, outra anarquista local, que descreve o anarquismo enquanto “tática”, apesar de questionar a necessidade de um rótulo. Ela continua, “Já está na minha cultura e no próprio modo através do qual o ativismo Palestino funciona e funcionou. Durante a Primeira Intifada, por exemplo, quando a casa de alguém era demolida, as pessoas se organizavam para reconstruí-la, quase espontaneamente. Enquanto uma Palestina anarquista, procuro retornar às raízes da Primeira Intifada. Não veio de uma decisão política. Veio contra a vontade da OLP (Organização para a Libertação da Palestina”. Yasser Arafat declarou independência em Novembro de 1988, após a Primeira Intifada ter começado em Dezembro de 1987″, diz Ramadan, continuando “…para sabotar os esforços da Primeira Intifada”.

O caso Palestino aprofundou suas complicações nas décadas recentes. O panorama de uma auto-organização preponderantemente horizontal na Primeira Intifada, foi substituída em 1993 com a assinatura dos Acordos de Oslo e a criação de cima para baixo da Autoridade Palestina (AP) que criaram. “Agora, aqui na Palestina”, observa Ramadan, “nós não temos o significado de autoridade que outras pessoas desafiam… Nós temos a AP e a ocupação, e nossas prioridades são sempre confusas. A AP e os Israelenses [estão no] mesmo patamar porque a AP é uma ferramenta para Israelenses oprimirem Palestinos”. Nimer também compartilha sua perspectiva, argumentando que agora, a AP se expandiu muito mais amplamente, e que muitos agora a observam como uma “proxy-occupation”.

 “Ser um anarquista não significa carregar uma bandeira rubro-negra ou participar do Black Bloc”, ressalta Ramadan, se referindo às táticas anarquistas de protestos estabelecidas, de vestir roupas negras e cobrir a o rosto. “Eu não quero imitar nenhum grupo ocidental no modo que “fazem” o anarquismo… não vai funcionar aqui, porque você precisa criar uma nova consciência nas pessoas, e elas não entendem este conceito”. Entretanto, Ramadan acredita que a baixa visibilidade dos anarquistas Palestinos, e a falta de consciência sobre o anarquismo entre Palestinos de maneira mais ampla, não necessariamente significa que existem poucos. “Eu acho que existe um bom número de anarquistas na Palestina”, ela percebe, apesar de admitir mais tarde, “… mas, por agora, é uma opinião individual, apesar de estarmos todos ativos em nossos próprios meios”.

Esta falta de um movimento anarquista unificado na Palestina pode ser resultante do fato de os anarquistas Ocidentais nunca terem realmente focado no colonialismo. “[Escritores ocidentais] não tiveram essa necessidade”, argumenta Budour Hassan, um ativista e estudante de direito. “A luta deles era diferente”. Nimer também acrescenta: “Para um anarquista nos Estados Unidos, a descolonização pode fazer parte de uma luta antiautoritária; para mim, é simplesmente o que precisa acontecer”.

Significativamente, Hassan amplia sua própria compreensão do anarquismo além das posições que se colocam meramente contra o Estado ou o autoritarismo colonial. Ela se refere ao romancista Palestino e nacionalista Árabe Ghassan Kanafani, percebendo que apesar de ter desafiado a ocupação, “…ele também desafiou as relações patriarcais e a burguesia… é por isso que eu penso que Árabes – anarquistas Palestinos, do Egito, da Síria, de Bahrain – precisam começar a reformular o anarquismo de um modo que possa refletir nossas experiências de colonialismo, nossas experiências enquanto mulheres em uma sociedade patriarcal, e assim por diante”.

“Apenas fazer parte de uma oposição política não irá salvar você”, adverte Ramadan, acrescentando que para muitas mulheres, “Quando você se levanta contra a ocupação, também precisa se levantar contra a família”. De fato, a superênfase de retratos de mulheres nos protestos, ela continua, mascara o fato de que na realidade, muitas mulheres precisam lutar só para estarem lá. Mesmo comparecer em reuniões vespertinas requer das mulheres jovens uma superação das limitações sociais não enfrentadas, em contrapartida, pelos homens.

“Enquanto Palestinos, temos que estabelecer uma conexão com os anarquistas Árabes”, diz Ramadan, influenciada pela sua leitura do material proveniente de anarquistas no Egito e na Síria. “Nós também temos muito em comum e, em função do isolamento, acabamos encontrando anarquistas internacionais que às vezes, por mais que sua política seja boa, permanece presa em suas ideias errôneas e Islamofobia”.

Em um pequeno trecho publicado na Jadaliyya (revista online) intitulado “Esclarecimentos Anarquistas, Liberais, e Autoritários: Notas da Primavera Árabe”, Mohammed Bamyeh argumenta que as recentes insurreições Árabes refletem “…uma rara combinação de métodos anarquistas e intenções liberais”, notando que “…o estilo revolucionário é anarquista, no sentido de que necessita pouca organização, liderança, ou mesmo coordenação, [e] tende a desconfiar de partidos e hierarquias mesmo após o sucesso da revolução”.

Para Ramadan, o nacionalismo também representa um problema significante. “As pessoas precisam do nacionalismo em tempos de luta”, ela admite, “[Mas] às vezes se torna um obstáculo… Você sabe o que sentido negativo do nacionalismo significa? Significa que você só pensa enquanto Palestino, que os Palestinos são os únicos que sofrem no mundo”. Nimer também acrescenta, “Estamos falando sobre sessenta anos de ocupação e limpeza étnica, e sessenta anos de resistência através do nacionalismo. Isso é muito longo, não é saudável. As pessoas podem ir do nacionalismo ao fascismo muito rapidamente”.

As multidões de Dezembro no Cairo, na praça Tahrir, podem ainda oferecer esperança para os Palestinos anarquistas. Enquanto o presidente Mohamed Morsi consolida poderes executivos, legislativos e judiciais em seu escritório, grupos anarquistas se juntam às manifestações. Estes Egípcios atualmente chamam a si próprios de anarquistas e abraçam o anarquismo enquanto tradição política. De volta à Ramallah, Nimer reflete: “Frequentemente, sou pessimista, mas você não pode descontar nos Palestinos. Podemos irromper a qualquer momento. A Primeira Intifada começou com um acidente de carro”.

Este artigo apareceu originalmente na edição de Fevereiro da revista Libanesa “O Posto Avançado”.

Tradução > Malobeo

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Tânia Diniz